sexta-feira, 14 de março de 2014

SOLENIDADE DE SÃO JOSÉ —19 DE MARÇO

EVANGELHO SOLENIDADE DE SÃO JOSÉ —19 DE MARÇO 
Mons João Clá Dias
16 Jacó gerou José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que é chamado o Cristo. 18 A origem de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua Mãe, estava prometida em casamento a José, e, antes de viverem juntos, Ela ficou grávida pela ação do Espírito Santo. 19 José, seu marido, era justo e, não querendo denunciá-La, resolveu abandonar Maria em segredo. 20 Enquanto José pensava nisso, eis que o Anjo do Senhor apareceu-lhe, em sonho, e lhe disse: “José, Filho de Davi, não tenhas medo de receber Maria como tua esposa, porque Ela concebeu pela ação do Espírito Santo. 21 Ela dará à luz um Filho, e tu Lhe darás o nome de Jesus, pois Ele vai salvar o seu povo dos seus pecados”. 24a Quando acordou, José fez conforme o Anjo do Senhor havia mandado (Mt 1, 1 6. 18-2 1 .24a).
Elevado a alturas inimagináveis...
Esposo de Maria, pai virginal de Jesus e Patriarca da Igreja. Estes três títulos, glorioso apanágio de São José, proclamam a grandeza de sua missão e a elevação de dons com os quais sua alma foi adornada pela Divina Providência.
UM SANTO INSUFICIENTEMENTE VENERADO
Figura ímpar, exaltada pela Igreja junto com a de Maria, nunca será suficiente louvar São José, tal a quantidade de maravilhas e privilégios com que aprouve a Deus cumulá-lo. Infelizmente este glorioso Patriarca muitas vezes é esquecido, sendo seu culto menor do que mereceria. Encontramos uma explicação para isso no desvio ocorrido nos primeiros tempos do Cristianismo com relação à devoção a Nossa Senhora. Com efeito, os fiéis admiravam tanto a grandeza d’Ela que alguns chegaram a reverenciá-La como se fosse uma deusa.1
Ensina São Tomás de Aquino 2 que toda situação intermediária, considerada a partir de um dos extremos, se parece com o oposto. E foi o que se deu com o culto à Santíssima Virgem, pois, analisada a partir de nossa condição de criaturas concebidas no pecado original, Ela parece mais perto de Deus do que de nós. A Igreja evitou esse erro mantendo certos limites nas demonstrações de piedade mariana. Só no século IV declarou o dogma da maternidade divina, definindo a participação relativa de Maria no plano da união hipostática, o mais alto grau de toda a ordem da criação, e deixou passar longos séculos para, afinal, proclamar sua Conceição Imaculada. Foi preciso, no início, fixar a adoração a Nosso Senhor Jesus Cristo para de pois estimular o amor à Mãe de Deus, ao sabor dos ritmos divinos soprados pelo Espírito Santo. Com relação a São José, não parece ser outra a razão. Talvez Nosso Senhor tenha querido que certos aspectos desse varão permanecessem ocultos para impedir que, exageradamente enaltecidos, viessem a ofuscar a figura de Cristo, pois as atenções deviam estar todas voltadas para Ele.
Não é compreensível, entretanto, que sendo Jesus o Homem-Deus, nascido de uma Mãe Imaculada, colocasse junto a Si, como pai adotivo, uma pessoa apagada, sem brilho. Portanto, se durante vinte séculos São José permanece escondido e retirado, é de se esperar que esteja chegando a hora em que a teologia explicite verdades novas a seu respeito, pelas quais se torne conhecido, com exatidão e nas suas minúcias, seu papel na Sagrada Família e a categoria de sua elevação enquanto esposo de Maria, pai de Jesus e Patriarca da Santa Igreja.
“Confirmarei sua realeza”
Na primeira leitura desta Solenidade, extraída do Segundo Livro de Samuel, a Igreja aplica a São José e, sobretudo, a Jesus Cristo as palavras dirigidas pelo Senhor a Davi, pela boca do profeta Natã. Uma vez garantida a estabilidade de seu trono, Davi tinha grande empenho em edificar um templo para Deus, pois se sentia insatisfeito pelo fato de possuir para si um bom palácio, quando para o culto divino e a custódia da Arca da Aliança ainda não existia um recinto à altura. Por isso, com a bênção divina, ele começou a fazer planos, a reunir material para as obras e preciosos elementos de ornamentação. Certo dia, o profeta Natã lhe fez saber que não seria ele quem levantaria a morada para Deus, mas um de seus filhos: “Assim fala o Senhor: ‘Quando chegar o fim dos teus dias e repousares com teus pais, então, suscitarei, depois de ti, um filho teu, e confirmarei a sua realeza. Será ele que construirá uma casa para o meu nome, e eu firmarei para sempre o seu trono real. Eu serei para ele um pai e ele será para Mim um filho. Tua casa e teu reino serão estáveis para sempre diante de Mim, e teu trono será firme para sempre” (II Sm 7, 5a.12- -14a.16).
Não há movimento mais forte na alma de um monarca do que o desejo da continuidade de sua dinastia no governo do reino após sua morte. Sem dúvida, tal era o anelo de Davi, o qual quiçá nem ousasse formular o pedido, julgando-o atrevido, a ponto de ofender a Deus. Mas Ele mesmo, tomando a iniciativa, lhe anunciou que iria estabelecer sua casa e confirmar nela a realeza, significando que não aconteceria à sua estirpe algo análogo à de Saul, primeiro soberano de Israel, que perdeu a dignidade real devido a seus múltiplos pecados (cf. I Sm 15, 23).
Ao analisarmos esta leitura, poderíamos incorrer no erro de concluir que todos os descendentes de Davi foram perfeitos... A realidade histórica, contudo, demonstra que houve inúmeras infidelidades. Apesar disso, Deus não depôs do trono sua linhagem e a manteve até o último elo, Aquele que ligou a estabilidade desse reino à eternidade, conforme sublinha o Salmo Responsorial: “Eis que a sua descendência durará eternamente” (Sl 88, 37). José faz parte desta genealogia, junto com Maria Santíssima, para dar origem a Nosso Senhor Jesus Cristo, realizando a promessa feita ao Rei-Profeta. A este pensamento, porém, poder-se-ia alegar o fato de não ser ele o verdadeiro pai de Jesus, já que não prestou concurso humano para sua concepção.
O vínculo espiritual supera o de sangue
Ora, a perenidade de uma descendência não pode estar baseada na consanguinidade, mas, sim, em algum fundamento divino que a torne eterna, ou seja, na graça. São Paulo sublima ainda mais esta ideia, na Epístola aos Romanos (4, 13.16-18.22), contemplada nesta Liturgia, lembrando as palavras de Deus a Abraão: “Eu fiz de ti pai de muitos povos” (Rm 4, 17a). Abraão é pater multarum gentium — pai de muitos povos, no respeitante à fé e não à raça. Existe, portanto, um nível superior ao natural, ao humano, uma família constituída pela fé e não pelo sangue. Insiste o Apóstolo: “Ele é pai diante de Deus, porque creu em Deus que vivifica os mortos e faz existir o que antes não existia. Contra toda a humana esperança, ele firmou-se na esperança e na fé. Assim, tornou-se pai de muitos povos, conforme lhe fora dito: ‘Assim será a tua posteridade’. Esta sua atitude de fé lhe foi creditada como justiça” (Rm 4, 17h-18.22). Em São José, por ser descendente de Davi, se cumprem todas as promessas da Aliança. Ele é pai de Jesus pela fé herdada de Abraão e por ele levada à perfeição. O vínculo existente entre ele e o Redentor é uma relação de fé.
A REALIZAÇÃO DA MAIOR MISSÃO DA HISTÓRIA
Uma posição de humildade e admiração
6 Jacó gerou José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que é chamado o Cristo. 8 A origem de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua Mãe, estava prometida em casamento a José, e, antes de viverem juntos, Ela ficou grávida pela ação do Espírito Santo. 19 José, seu marido, era justo e, não querendo denunciá-La, resolveu abandonar Maria em segredo.
A narração de São Mateus ressalta o acima dito, pois mostra o quanto São José era íntegro e homem de fé inquebrantável diante das maiores dificuldades. Em sua alma não cabia nenhuma febricitação, exemplo para um mundo no qual se cultua a agitação e a trepidação. Com efeito, na vida dos santos tudo transcorre calma e serenamente, ainda em meio à provação. E quando são atingidos por dramas, refletem, tomam uma decisão e continuam em frente, sem perder a paz.
José “era justo”, e quando viu Maria em período de gestação não levantou qualquer suspeita em relação à pureza d’Ela, pois A conhecia a fundo e “acreditava mais na castidade de sua esposa do que naquilo que seus olhos viam, mais na graça do que na natureza”.4 No entanto, amante e cumpridor da Lei — como se reflete em outros episódios do Evangelho —, via-se ele obrigado a repudiá-La em público ou em privado, ou a denunciá-La, entregando à morte Aquela de cuja inocência tinha plena convicção. Poderia, pelo contrário, retê-La consigo, abstendo-se de acusá-La, e assumir a criança como sua, mas tal opção também não lhe agradava considerando-se indigno de sucesso tão alto e extraordinário.5 Assim, não compreendendo o que n’Ela se realizava, logo adotou uma postura de humildade e de inferioridade: entregou tudo nas mãos de Deus, aceitou a humilhação e deliberou retirar-se ocultamente, antes que se manifestasse o acontecido, como a dizer: “Domine non sum dignus”.
Estás à altura!
20 Enquanto José pensava nisso, eis que o Anjo do Senhor apareceu-lhe, em sonho, e lhe disse: “José, Filho de Davi, não tenhas medo de receber Maria como tua esposa, porque Ela concebeu pela ação do Espírito Santo”.
Já determinado a partir, transido de dor, recebeu de um Anjo a revelação: o fruto de Maria Santíssima era o próprio Deus feito Homem, e Ela seria Mãe sem deixar de ser Virgem! Quanto a ele, diferentemente do que pensava, estava, sim, à altura de sua celestial esposa, tornando-se um dos primeiros a conhecer o mistério sagrado da Encarnação do Verbo.
Serás pai do Menino
21 “Ela dará à luz um Filho, e tu lhe darás o nome de Jesus, pois Ele vai salvar o seu povo dos seus pecados”.
É difícil conceber qual foi a consolação e o arrebatamento de São José ao saber-se ligado a esse mistério e ao ouvir do Anjo o anúncio de que cabia a ele, por ser o Patriarca e o senhor da casa, dar o nome ao Menino. Da mesma forma que na geração eterna da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade o nome foi posto por Deus Pai, ao chamá-Lo de Salvador — pois Jesus significa aquele que salva —, José Lhe assinalaria também a missão com relação a seu nascimento temporal, assumindo, por especial concessão divina, um papel humano paralelo ao do Padre Eterno. A esse propósito, comenta o piedoso padre Isidoro de Isolano: “E costume que os pais sejam os que tenham autoridade para dar o nome a seus filhos. E como Jesus era o Filho de Deus, São José fez nisto as vezes do Pai celeste. Quando os príncipes são batizados — oportunidade na qual os cristãos dão o nome a seus filhos —, quem, senão outro rei, embaixador ou alto personagem, costuma fazer as vezes dos pais na atribuição do nome? Pois em circunstância semelhante ninguém pareceu tão grato ao Pai celeste, tão digno e tão preclaro, como São José”.6 Deste modo, cumpria-se em plenitude a profecia de que o Messias seria Filho de Davi, e o seria tanto por parte do pai quanto da Mãe.7
24a Quando acordou, José fez conforme o Anjo do Senhor havia mandado.

José, obediente, recebeu Maria e passou a viver com Ela numa atmosfera de paz e tranquilidade, na expectativa do nascimento do Menino Jesus, sem, todavia, comentar nada do ocorrido, pelo enorme respeito que Lhe devotava. Mas sabia que o esperado pelos profetas, o Emanuel, o Cristo viera morar em sua casa e ele podia adorá-Lo, desde então, realmente presente no tabernáculo das entranhas puríssimas de sua virginal esposa.

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